Na última sexta-feira (26/05/2023) o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.137 e declarou, por unanimidade, a validade da Lei nº 16.820/2019 do Estado do Ceará, conhecida como “Lei Zé Maria do Tomé”, que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos no Estado.
Através da Lei foi incluído o artigo 28-B à Lei nº 12.228/1993, que estabelece as normas estaduais de produção, utilização e comércio de agrotóxicos, vedando assim expressamente a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o Estado, estabelecendo multa em casos de infração e também proibindo a incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão aérea, inclusive para os casos de controle de doenças causadas por vírus.
A norma foi fruto de grande mobilização das comunidades, entidades, movimentos populares e pesquisadores que, seguindo a luta do camponês Zé Maria do Tomé, liderança emblemática contra a pulverização aérea na região da Chapada do Apodi, conquistaram a aprovação do projeto proposto pelo deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE) à Assembleia Legislativa. Batizada em homenagem ao líder camponês, a Lei representou assim uma grande conquista para a redução do impacto dos agrotóxicos na vida da população do campo e na contaminação do solo e dos corpos hídricos.
A ação agora julgada pelo STF foi movida pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade de representação do setor ruralista, visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei ao argumento principal de que a norma estadual teria “invadido” a competência privativa da União para legislar sobre a matéria, além de suposta violação a princípios inscritos na Constituição da República, como a livre iniciativa e a livre concorrência.
Todos os argumentos da CNA, entretanto, foram afastados pela relatora da ação, Ministra Cármen Lúcia, em seu voto. Destacando robustos estudos que demonstram os riscos da pulverização aérea, como a chamada “deriva técnica”, e o desequilíbrio ecológico promovido pelo uso excessivo de agrotóxicos, a Ministra relatora reafirmou a jurisprudência do STF no sentido de reconhecer a chamada “competência concorrente” dos entes federados para legislar sobre a proteção e defesa da saúde e do meio ambiente. Segundo a relatora:
“A competência da União para editar normas gerais em matéria de saúde e proteção ao meio ambiente não pode servir de pretexto para que a competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios seja reduzida ou suprimida pela legislação nacional.
(…)
Não há óbice constitucional a que os Estados editem normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos. A regulação nacional limita-se a traçar os parâmetros gerais quanto à matéria, estabelecendo atividades de coordenação e ações integradas.”
Além disso, afastando os argumentos de violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, a Ministra relatora também referiu que estes não impedem a regulação de atividades econômicas pelo Estado, que pode ser indispensável para resguardar outros valores igualmente inscritos na Constituição, como a dignidade da pessoa humana e a defesa do meio ambiente.
O voto da Ministra Cármen Lúcia foi acompanhado por todos os demais ministros da Corte, que então decidiram pela improcedência da ação movida pela CNA. A decisão do STF representa, assim, mais um importante passo na luta do povo do campo, pela defesa da vida e do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Por Igor Mendes Bueno.